Jogo desigual
Estudo
revela que as dificuldades de universitários egressos da rede pública não se
resumem ao vestibular e acompanham os estudantes por toda a graduação.
Pesquisadora defende formação contínua de professores e uma atenção
diferenciada a esses alunos.
Por:
Rafael Foltram
Publicado
em 28/02/2012 | Atualizado em 28/02/2012
Segundo
educadora, o professor precisa conhecer o passado acadêmico – muitas vezes
defasado – do aluno para conseguir suprir a dificuldade de cada um
individualmente. (foto: Bernardo Barlach/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)
A
permanência de estudantes em cursos de graduação de universidades de ponta
depende de diversos fatores, como condição financeira, apoio familiar,
envolvimento social, dedicação, além de interesse e satisfação pelo curso
escolhido. Novos estudos, porém, apontam a importância de outro elemento: a
procedência escolar.
Alunos
que cursaram o ensino médio em escolas públicas enfrentam mais problemas e têm
chances maiores de deixar o curso precocemente ou passar por dificuldades
críticas
De acordo
com pesquisa desenvolvida por Valéria
Cordeiro Fernandes Belletati em seu doutorado na Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo (USP), alunos que cursaram o ensino médio
em escolas públicas enfrentam mais problemas e têm chances maiores de deixar o
curso precocemente ou passar por dificuldades críticas, que vão desde falta de
tempo até o desempenho insuficiente.
Em maio
de 2009, Belletati entrevistou 42 alunos ingressantes, 10 futuros biólogos, 11
do curso de licenciatura em física e 21 de letras – todos da USP, que, desde
2006, possui ferramentas para facilitar o ingresso de alunos que cursaram o
ensino médio em escolas públicas – por meio do Programa
de Inclusão Social e do Programa de Avaliação Seriada,
o estudante pode ter um bônus de até 15% em sua nota do vestibular.
Os três
cursos foram escolhidos por serem de média seletividade, representar áreas
distintas do conhecimento e “por terem altos índices de evasão geral no
semestre de ingresso e altos números absolutos de ingressantes de escola
pública”, justifica a pesquisadora.
O
questionário incluía perguntas pessoais sobre os ingressantes, como idade,
trabalho, procedência escolar, tempo gasto para chegar à USP, preparo em
cursinho pré-vestibular e uso de bolsa de estudos. Além disso, os estudantes
consultados tinham espaço para relatar suas dificuldades iniciais, relacionamento
com colegas e professores, desempenho pessoal e satisfação com as aulas e com o
curso escolhido.
Ao fim do
primeiro semestre de 2010, a educadora voltou a entrevistá-los. “Retomei
contato apenas com os alunos participantes que haviam cursado todo o ensino
médio não profissionalizante em escolas públicas, que atendem a maioria dos
estudantes em condições socioeconômicas menos favorecidas da nossa população”,
explica Belletati. Nessa rodada de entrevistas, foram entrevistados seis alunos
do curso de letras, três de licenciatura em física e um de ciências biológicas
– 10 no total.
Desta
vez, foram questionados sobre como enfrentavam as dificuldades mencionadas na
entrevista anterior, sua vida escolar no ensino médio, escolaridade de seus
familiares e como achavam que esses fatores influenciavam seu desempenho na
graduação.
Corrida de obstáculos
A falta
de tempo foi a dificuldade número um apontada pelos graduandos. “O tempo é mais
escasso para alunos em condições econômicas desfavoráveis porque estes exercem
atividade remunerada e perdem muitas horas em deslocamento para a
universidade”, explica a autora da tese. Além disso, os alunos consideraram os
exames complicados e reclamaram que as dificuldades apresentadas nas provas não
eram revistas.
“Os alunos
percebem lacunas de aprendizagem de conteúdos que deveriam ter aprendido na
educação básica e consideram alguns conteúdos novos muito complexos”
A
formação anterior ao ingresso também foi colocada como um problema. Segundo a
educadora, “os alunos percebem lacunas de aprendizagem de conteúdos que
deveriam ter aprendido na educação básica e consideram alguns conteúdos novos
muito complexos”.
Nos
cursos de letras e licenciatura em física, apesar das barreiras, os índices de
evasão de alunos egressos de escolas públicas foram inferiores aos dos
provenientes de escolas particulares. Por outro lado, em ciências biológicas, a
evasão foi consideravelmente maior entre os estudantes vindos de escolas
públicas (7,4%) do que os ex-alunos de escolas particulares (1,6%).
Quando
são analisados cursos mais concorridos, essa situação se torna mais recorrente.
O curso de publicidade e propaganda, por exemplo, teve 13,6% de evasão de
alunos de escolas públicas contra apenas 2,4% de alunos vindos de escolas
particulares. A situação é parecida em cursos como medicina (1,8% contra 0,2%),
odontologia (5,7% contra 2,6%), arquitetura (3,7% contra 0,7%) e relações
internacionais (6,6% contra 4,2%).
Atenção diferenciada
Para
Belletati, a formação pedagógica dos professores – que hoje não é exigida – é
essencial para a melhoria desse quadro. Normalmente, o docente não conhece o
passado do aluno, o que impede uma atuação diferenciada, avalia a pesquisadora,
que defende a formação contínua e institucionalizada dos formadores.
Normalmente,
o docente não conhece o passado do aluno, o que impediria uma atuação
diferenciada
Dessa
forma, os professores estariam mais bem preparados para ajudar os alunos com
mais dificuldades, que, segundo o estudo, precisam de auxílio para organizar
seu tempo, superar lacunas de aprendizagem da educação básica e aprender a
estudar na universidade – “que é muito diferente, pois, nesse nível de
educação, precisam atingir níveis de compreensão necessários a criação,
reflexão e teorização”.
Belletati
acredita que uma formação pedagógica permanente também possibilitaria uma
reflexão mais profunda sobre a função da universidade, “que entendemos ser a
formação profissional, científica e política.”
“Ela
também permitiria um debate mais amplo sobre a elitização da universidade,
tanto no ingresso como no seu interior, e sobre outras questões específicas da
docência”, conclui a pesquisadora.
Rafael Foltram
Especial para a Ciência Hoje On-line/ SP
Rafael Foltram
Especial para a Ciência Hoje On-line/ SP
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