Laboratório-mundo
Conversamos
com professora recém-premiada pela ‘Science’ por projeto que usa a pesquisa ao
ar livre no ensino de biologia. Revista vem dando espaço para iniciativas que
propõem novas formas de apresentação do conteúdo aos alunos.
Por:
Thiago Camelo
Publicado
em 05/04/2012 | Atualizado em 05/04/2012
A bióloga
Nitya Jacob na 'Arabia Mountain': proposta de estudar com os alunos o
ecossistema local ganhou prêmio da 'Science'. (foto: Kay Hinton)
O último editorial da Science perguntou: por
que tantos alunos abandonam a graduação em cursos de ciências exatas ou
naturais nos primeiros dois anos de estudo?
As aulas
introdutórias, que deveriam prender o aluno e abrir as possibilidades do
universo científico, são pouco inspiradoras
Uma das
respostas a que a revista chegou foi: as aulas introdutórias, que deveriam
prender o aluno e abrir as possibilidades do universo científico, são pouco
inspiradoras.
A mesma
revista, com o espírito de incentivar novas práticas de introdução científica, passou a premiar iniciativas que propõem novas
formas de se apresentar a matéria para os alunos recém-ingressos. O laureado
publica no periódico, um dos mais prestigiosos do mundo, um artigo em que
explica seu projeto.
O Alô,
Professor conversou com a última educadora premiada pela revista – a bióloga
indiana Nitya Jacob, professora do
curso de Biologia da Faculdade de Oxford, na Geórgia, Estados Unidos.
Jacob desenvolveu com estudantes
dos dois primeiros anos de curso um estudo completo do comportamento
microbiológico da Arabia Mountain, uma
cadeia de rochas com grande diversidade vegetal na própria Geórgia. Por que a
montanha? Porque o lugar fica relativamente próximo à faculdade, e porque, para
Jacob, ali poderia ser um laboratório a céu aberto.
Mais do
que isso, segundo a professora, “pouco se sabe sobre a ecologia microbiana
nesse ecossistema”. Seria a oportunidade de, no final do curso, ter em mãos um
material original.
Curiosamente,
a iniciativa anterior premiada pela Science – serão 15 educadores no
decorrer do ano – também privilegiou a pesquisa ao ar livre: uma empreitada de professores da Universidade
Estadual de Michigan, nos Estados Unidos, que propôs um curso introdutório para
estudar, no próprio campus da instituição, a mudança das folhas das
árvores no decorrer das estações do ano.
Ambas as
iniciativas, tanto a de Jacob quanto a dos educadores de Michigan, também se
preocupam em preservar todo o processo de pesquisa científica, com incursões ao
laboratório, busca dos alunos pelo melhor método, discussão do projeto e, por
fim, produção de um artigo.
A seguir,
leia a entrevista com a bióloga Nitya Jacob.
Ciência Hoje On-line: Como surgiu a ideia do projeto?
Nitya Jacob: Estava muito interessada na incorporação de técnicas de pesquisa em aulas introdutórias. Li sobre um projeto realizado na Universidade do Arizona do Norte sobre a exploração de microrganismos em ambientes extremos. A ideia de usar a Arabia Mountain veio em função do conhecimento que tenho desse ecossistema. Também me inspirei no trabalho da minha colega, a [bióloga e professora] Eloise Carter, cuja pesquisa envolveu as plantas e os ecossistema da Arabia Moutain.
Ciência Hoje On-line: Como surgiu a ideia do projeto?
Nitya Jacob: Estava muito interessada na incorporação de técnicas de pesquisa em aulas introdutórias. Li sobre um projeto realizado na Universidade do Arizona do Norte sobre a exploração de microrganismos em ambientes extremos. A ideia de usar a Arabia Mountain veio em função do conhecimento que tenho desse ecossistema. Também me inspirei no trabalho da minha colega, a [bióloga e professora] Eloise Carter, cuja pesquisa envolveu as plantas e os ecossistema da Arabia Moutain.
A Science
vem premiando projetos que usam a natureza como laboratório a céu aberto. Qual
seria a importância de ‘olhar ao redor’ e entender a potencialidade do ambiente
próximo ao centro de ensino?
Acho fundamental para a educação levar os alunos para fora da sala. Os estudantes são pouco conscientes do ambiente que os cerca, e talvez não olhem para fora a não ser que seja apontada uma direção. Se quisermos que a natureza seja preservada para as futuras gerações, é importante fazer com que os estudantes tomem consciência dela o quanto antes.
Acho fundamental para a educação levar os alunos para fora da sala. Os estudantes são pouco conscientes do ambiente que os cerca, e talvez não olhem para fora a não ser que seja apontada uma direção. Se quisermos que a natureza seja preservada para as futuras gerações, é importante fazer com que os estudantes tomem consciência dela o quanto antes.
Minha
área de especialização é a biologia molecular, que envolve principalmente
trabalhos dentro do laboratório. Portanto, ser capaz de combinar isso com uma
experiência de campo no meio da natureza é uma ferramenta valiosa.
.O ecossistema da ‘Arabia
Mountain’, com toda a sua diversidade vegetal, foi o ‘laboratório’ escolhido
pela bióloga para que os alunos tivessem o primeiro contato com a ‘ciência de
verdade’. (foto: Science/AAAS)
E é realmente benéfico para os alunos ter contato com métodos de pesquisa
científica logo nos primeiros anos da faculdade? Acho que isso é absolutamente fundamental para os alunos. É como a ciência é feita! Se o aluno não tem a chance de experimentar isso logo, ele não estará em contato com uma visão mais completa do mundo científico. Mesmo com recursos limitados, é possível expor os estudantes à pesquisa de diversas maneiras.
Como?
Uma maneira é envolver os alunos em leituras científicas para demonstrar como os ‘fatos’ do livro são, na verdade, originários de pesquisas. Até mesmo pequenos projetos em laboratório são importantes para que os alunos percebam que, quando os cientistas começam um projeto de pesquisa, o resultado do projeto é imprevisível.
Uma maneira é envolver os alunos em leituras científicas para demonstrar como os ‘fatos’ do livro são, na verdade, originários de pesquisas. Até mesmo pequenos projetos em laboratório são importantes para que os alunos percebam que, quando os cientistas começam um projeto de pesquisa, o resultado do projeto é imprevisível.
Digo isso
porque, muitas vezes, os alunos acreditam que sempre há uma resposta correta –
e a ciência não é sobre haver uma resposta certa. A ciência é sobre descobrir o
desconhecido. Os alunos devem começar a experimentar isso logo no início de sua
trajetória universitária.
No
artigo, você fala da importância de o aluno lidar com a “frustração de não
alcançar o resultado desejado”.
A frustração de que falo não tem a ver com fracasso. De fato os alunos tendem a associar a frustração ao fracasso. Estou tentando ajudá-los a ver que eles não falharam. Eles também precisam saber que não chegar a uma resposta correta pode levar a uma nova descoberta. A pesquisa científica não é um mar de rosas. Os obstáculos são elementos esperados.
A frustração de que falo não tem a ver com fracasso. De fato os alunos tendem a associar a frustração ao fracasso. Estou tentando ajudá-los a ver que eles não falharam. Eles também precisam saber que não chegar a uma resposta correta pode levar a uma nova descoberta. A pesquisa científica não é um mar de rosas. Os obstáculos são elementos esperados.
Você
acharia possível introduzir uma experiência análoga com alunos do ensino médio?
Descobri que expor estudantes a esse tipo de pensamento independente e de investigação não é um trabalho que deve ser feito uma única vez. Os melhores resultados vêm lentamente. Estar exposto várias vezes a esse tipo de pesquisa é o que realmente ajuda a informação a se consolidar.
Descobri que expor estudantes a esse tipo de pensamento independente e de investigação não é um trabalho que deve ser feito uma única vez. Os melhores resultados vêm lentamente. Estar exposto várias vezes a esse tipo de pesquisa é o que realmente ajuda a informação a se consolidar.
Então a
resposta é sim, acho que experiências semelhantes podem ser aplicadas nas
escolas, expondo os alunos aos poucos ao método científico e consolidando o
conhecimento.
Qual foi
o impacto que o prêmio da Science teve na sua carreira e no projeto?
Por ser uma revista internacional e com grande impacto, os professores de todo o mundo têm a chance de implementar o exercício em seus cursos. A divulgação serve de inspiração, inclusive, para esses professores chegarem a novas ideias e, quem sabe, modificarem o exercício.
Por ser uma revista internacional e com grande impacto, os professores de todo o mundo têm a chance de implementar o exercício em seus cursos. A divulgação serve de inspiração, inclusive, para esses professores chegarem a novas ideias e, quem sabe, modificarem o exercício.
No caso
do meu trabalho, sinto que vai ajudar no convencimento de que os alunos do
primeiro e segundo anos são capazes de realizar pesquisas. O que eles precisam
é da paciência do professor, precisam ser orientados de forma eficaz. O prêmio
também ajuda na criação de uma cultura de fazer perguntas não apenas dentro do
laboratório, mas também fora dele.
Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line
Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line
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