Pão e química
Pesquisadores do Rio Grande do Sul usam os saberes populares da
panificação para abordar temas como densidade das substâncias e fermentação com
alunos do ensino médio.
Por: Ana Carolina Correia
Publicado em 15/02/2012 | Atualizado em 15/02/2012
A produção artesanal
de pão em cidades do interior gaúcho inspirou pesquisadores na elaboração de
material para ajudar no ensino de química. (foto: Venquiaruto et al)
Meio quilo de farinha de trigo, 15 gramas de sal, 20 gramas de açúcar,
uma colher de sopa de margarina, 15 gramas de fermento e um pouco de água.
Receita de um pãozinho francês? Que nada! Esses são os ingredientes para uma
aula de química.
Um grupo de pesquisadores do Rio Grande do Sul acompanhou a produção
artesanal do pão a fim de utilizar esse conhecimento popular para ensinar química
a alunos do ensino médio.
Inicialmente, quatro produtoras rurais com mais de 60 anos, descendentes
de italianos, e moradoras de diferentes cidades gaúchas – Itatiba do Sul, Barra
do Rio Azul, Quatro Irmãos e Erechim – foram entrevistadas e acompanhadas
durante cada etapa da panificação, desde o preparo do fermento até o momento em
que a massa vai ao forno.
Algumas tradições
das cozinheiras na produção do pão dialogavam diretamente com conhecimentos
científicos já estabelecidos
“Depois dessa primeira etapa, retornamos com um recorte da transcrição
das falas da entrevista, para sanar dúvidas que ficaram pendentes”, explica
Luciana Dornelles Venquiaruto, química da Universidade Regional Integrada do
Alto Uruguai e das Missões (URI) e coautora do artigo que descreve a
iniciativa, publicado na revista Química Nova na Escola.
Durante as entrevistas, ficou claro para os pesquisadores que algumas
tradições das cozinheiras na produção do pão dialogavam diretamente com
conhecimentos científicos já estabelecidos. Por exemplo: ao substituir o
fermento caseiro pelo industrializado, as produtoras aumentam a velocidade de
fermentação do pão. Já a sova da massa em duas etapas distintas permite
trabalhar melhor o glúten formado durante a mistura dos ingredientes e obter um
produto mais macio e leve.
“Observamos no decorrer da parte empírica da pesquisa que os saberes
cotidianos são, muitas vezes, similares aos saberes que a Academia produz, mas
precisam passar por uma transposição didática para se tornarem saberes
escolares”, afirma a química, acrescentando que é possível inserir em sala de
aula conhecimentos que vão além dos tradicionais.
Do forno ao
laboratório
Com os dados em mãos, os pesquisadores passaram para o laboratório, onde
desenvolveram cinco experimentos que relacionavam o uso das técnicas utilizadas
pelas produtoras de pão com princípios químicos.
“As atividades propostas destacam particularmente os efeitos da
temperatura e da concentração dos ingredientes sobre a velocidade da
fermentação e a densidade da massa”, enfatiza Venquiaruto. As experiências
permitem que o aluno visualize como os processos químicos ocorrem e,
consequentemente, compreenda melhor os conceitos por trás deles.
Em uma das atividades, duas garrafas PET de 600 ml devem ser cortadas e
preenchidas cada uma com três colheres de fermento químico e duas de açúcar.
Depois, o aluno deve acrescentar água em duas temperaturas diferentes – cerca
de 12 ºC em uma garrafa e 33 ºC na outra – e fechá-las com uma bexiga.
O hábito de colocar a
massa para descansar perto de uma fonte de calor é explicado pela química: a
temperatura alta acelera a velocidade da fermentação. (foto: Venquiaruto et al)
Esse experimento simula os dias de inverno no Rio Grande do Sul, onde a
temperatura beira os 12 ºC, e o calor que emana do fogão, onde as cozinheiras
têm por hábito deixar a massa descansando em dias de frio. Ocorre que, durante
o processo de fermentação, acelerado em temperaturas mais quentes, há a
liberação de gás carbônico. Dessa forma, na garrafa que recebeu água a 33 ºC, o
gás será liberado mais rapidamente e a bexiga encherá primeiro.
Outra atividade proposta é algo que as produtoras de pão fazem para
saber se a massa já está pronta para ir ao forno. O aluno deve colocar uma
bolinha de massa em um recipiente com água. A bolinha afundará, já que sua
densidade é maior do que a da água. Porém, quando o fermento faz efeito, a
bolinha sobe para a superfície. A explicação é simples: quando a fermentação
ocorre, a bolinha se enche de gás carbônico e aumenta de volume, o que diminui
sua densidade. Então, ela flutua.
Para as produtoras artesanais, esses e outros ‘truques’ de cozinha
ajudam no preparo de um produto de qualidade. Para professores e alunos, eles
são sinal de pura química e podem ajudar a tornar mais dinâmico o ensino dessa
disciplina.
Ana Carolina Correia
Ciência Hoje On-line
Ana Carolina Correia
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