Sem medo de ensinar
O ‘Alô,
Professor’ entrevistou o físico responsável pelo projeto que vem mudando o
currículo de física do ensino médio em São Paulo, introduzindo conceitos de
fronteira nas aulas dos colégios públicos do estado e interferindo no
vestibular.
Por:
Thiago Camelo
Publicado
em 20/03/2012 | Atualizado em 02/04/2012
Para
educador, professores não precisam mais questionar a possibilidade de se
ensinar física moderna aos alunos de ensino médio. Dez anos de trabalho depois,
ele atesta: é possível ensinar e – também – aprender. (foto: Wikimedia Commons)
O
processo já começou. A prova da Fundação
Universitária para o Vestibular (Fuvest) deste ano já cobrou. O exame para ingressar na
Universidade Estadual de Campinas também. E, como se despertassem de
sobressalto de um longo sono, os professores de física do ensino médio
perceberam: é hora de ensinar física moderna
nas escolas.
O
currículo de física dos colégios paulistas já exige o ensino da matéria desde
2008. Mas como o vestibular ainda não cobrava temas que envolviam a física
praticada no século 20 e 21, a maioria dos professores continuou focada na
física clássica – newtoniana – do século 19.
No
entanto, um projeto de pesquisa, liderado por professores da Universidade de
São Paulo (USP), vem, há quase uma década, discutindo a melhor forma de se
ensinar física de fronteira a alunos do ensino médio. Mais precisamente, três
conteúdos: física de partículas, radiações e relativística.
Até
agora, são mais de 200 educadores formados, aptos a ensinar física de fronteira
a seus alunos
Com o
tempo, não apenas se provou que era possível ensiná-los, como um vasto conteúdo
didático foi produzido e aulas de formação de novos professores foram
ministradas.
O
resultado: até agora, são mais de 200 educadores formados, aptos a ensinar
física de fronteira a seus alunos. O conteúdo das aulas também está na rede e
pode ser baixado gratuitamente na página do
projeto, que começa, aos poucos, a ganhar um quarto elemento
didático: o material para aulas sobre a
dualidade onda-partícula.
E se
agora as universidades começam a cobrar esses conteúdos no vestibular, a
‘culpa’ pode ser atribuída a esses professores, espécie de bandeirantes do
ensino de física moderna nas escolas. Sim, porque o Núcleo de Pesquisas em Inovações
Curriculares da USP é liderado por Maurício Pietrocola – não por
acaso, o mesmo físico convidado, em 2007, para reformular o conteúdo da
disciplina nas escolas paulistas.
A CH
On-line conversou, por telefone, com o educador, que contou a trajetória do
projeto – da ideia à realização – e revelou especial felicidade por conseguir
mudar um paradigma do vestibular: “Em geral, é o professor que precisa se
adaptar ao conteúdo das provas; dessa vez, nós, professores, conseguimos fazer
com que as universidades se adaptassem às mudanças impostas pelo nosso
programa”.
CH
On-line: Como
surgiu o projeto?
Maurício Pietrocola: Em 2002, o Núcleo de Pesquisas em Inovações Curriculares foi fundado e, em 2003, montamos a proposta de investigar o ensino de física moderna para alunos do ensino médio. Usamos duas dissertações de mestrado como base, que falavam da dualidade das partículas e de partículas elementares. Esses alunos, que eram meus orientandos, me ajudaram a montar o projeto, e logo chegaram outros alunos interessados em desenvolver seus trabalhos com essa temática. Sempre trabalhando coletivamente, propondo métodos e aplicando em turmas do ensino médio, vendo o que dava certo ou errado.
Maurício Pietrocola: Em 2002, o Núcleo de Pesquisas em Inovações Curriculares foi fundado e, em 2003, montamos a proposta de investigar o ensino de física moderna para alunos do ensino médio. Usamos duas dissertações de mestrado como base, que falavam da dualidade das partículas e de partículas elementares. Esses alunos, que eram meus orientandos, me ajudaram a montar o projeto, e logo chegaram outros alunos interessados em desenvolver seus trabalhos com essa temática. Sempre trabalhando coletivamente, propondo métodos e aplicando em turmas do ensino médio, vendo o que dava certo ou errado.
E quando
o projeto saiu do núcleo de pesquisa e ganhou o mundo?
No início, as aulas eram ministradas nas turmas de escola pública dos professores envolvidos com o projeto. Éramos seis. Desenvolvíamos a sequência de atividades e a discutíamos semanalmente. Entre 2007 e 2008, tive o convite da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo para ajudar a reformular o currículo de física no ensino médio. Fui convidado porque sabiam do nosso projeto na USP. Atualmente, o currículo das escolas públicas de São Paulo exige, no segundo semestre do terceiro ano, ensino de física moderna.
No início, as aulas eram ministradas nas turmas de escola pública dos professores envolvidos com o projeto. Éramos seis. Desenvolvíamos a sequência de atividades e a discutíamos semanalmente. Entre 2007 e 2008, tive o convite da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo para ajudar a reformular o currículo de física no ensino médio. Fui convidado porque sabiam do nosso projeto na USP. Atualmente, o currículo das escolas públicas de São Paulo exige, no segundo semestre do terceiro ano, ensino de física moderna.
E aí o
curso de formação de professores começou?
Sim, foi nessa ocasião. Começamos os primeiros cursos multiplicadores em 2008. Hoje já somos 200, né? Este ano, terminamos o curso em janeiro, e agora estamos compilando o material e desenvolvendo mais sequências didáticas. O plano é falar agora de cosmologia e fazer uma nova versão para a questão do paradoxo dos gêmeos. Vamos, claro, colocar tudo no nosso site.
Sim, foi nessa ocasião. Começamos os primeiros cursos multiplicadores em 2008. Hoje já somos 200, né? Este ano, terminamos o curso em janeiro, e agora estamos compilando o material e desenvolvendo mais sequências didáticas. O plano é falar agora de cosmologia e fazer uma nova versão para a questão do paradoxo dos gêmeos. Vamos, claro, colocar tudo no nosso site.
“Existiam
barreiras didáticas, e existem até hoje, para se ensinar física do século 19
também!”
Existe
mesmo uma barreira didática para se ensinar física moderna?
Existiam barreiras didáticas, e existem até hoje, para se ensinar física do século 19 também! Nós é que não pensamos nisso. A física clássica ensinada na escola não é a física que os cientistas usam, ela é adaptada ao meio ambiente, é ‘didatizada’.
Existiam barreiras didáticas, e existem até hoje, para se ensinar física do século 19 também! Nós é que não pensamos nisso. A física clássica ensinada na escola não é a física que os cientistas usam, ela é adaptada ao meio ambiente, é ‘didatizada’.
É claro
que hoje temos barreiras para ensinar mecânica quântica, relatividade, claro
que sim. Mas temos de estudar e ver se essa barreira é instransponível ou se é
possível ‘didatizar’ esses conceitos, assim como fizemos com a mecânica
clássica.
Discute-se
essa mudança curricular no Brasil há um tempo...
É verdade. A mudança no currículo de física no Brasil é discutida desde a década de 1980. Ninguém é contra o ensino de física moderna. A pergunta é: “Como eu ensino?”. E só obtemos essa resposta indo para a sala de aula, saindo da universidade, testando, errando, aprendendo. O mundo acadêmico não gosta muito disso, não gosta de sair da universidade e da teoria, mas precisamos fazer isso.
É verdade. A mudança no currículo de física no Brasil é discutida desde a década de 1980. Ninguém é contra o ensino de física moderna. A pergunta é: “Como eu ensino?”. E só obtemos essa resposta indo para a sala de aula, saindo da universidade, testando, errando, aprendendo. O mundo acadêmico não gosta muito disso, não gosta de sair da universidade e da teoria, mas precisamos fazer isso.
Os
professores chegaram despreparados ao curso?
De modo geral, os alunos estudavam física moderna na universidade sabendo que não precisariam dar muito foco à questão caso quisessem ser professores de escola. E é aquilo: antes de ser professor, o professor já tinha sido aluno do ensino médio. Ele sabia que aquela questão não era cobrada em sala de aula e no vestibular. Então encarava as aulas de física moderna na universidade como um verniz cultural, algo que se soubesse mais ou menos já seria o suficiente. A maioria dos professores chegou apenas com esse ‘verniz cultural’ ao nosso curso.
De modo geral, os alunos estudavam física moderna na universidade sabendo que não precisariam dar muito foco à questão caso quisessem ser professores de escola. E é aquilo: antes de ser professor, o professor já tinha sido aluno do ensino médio. Ele sabia que aquela questão não era cobrada em sala de aula e no vestibular. Então encarava as aulas de física moderna na universidade como um verniz cultural, algo que se soubesse mais ou menos já seria o suficiente. A maioria dos professores chegou apenas com esse ‘verniz cultural’ ao nosso curso.
“Mais
valioso do que passar o conteúdo foi quebrar certo mito de que não dá para se
ensinar física moderna”
E o
resulto final lhe agradou?
Sim! Porque mais valioso do que passar o conteúdo foi quebrar certo mito de que não dá para se ensinar física moderna. Os professores que ministraram o curso já tinham usado o nosso método em sala de aula, e tinha dado certo. Então era hora de um professor olhar no olho do outro e dizer: “O meu aluno não é melhor que o seu, eu não sou melhor que você, se deu para mim, dará também para você”. Isso foi muito legal.
Sim! Porque mais valioso do que passar o conteúdo foi quebrar certo mito de que não dá para se ensinar física moderna. Os professores que ministraram o curso já tinham usado o nosso método em sala de aula, e tinha dado certo. Então era hora de um professor olhar no olho do outro e dizer: “O meu aluno não é melhor que o seu, eu não sou melhor que você, se deu para mim, dará também para você”. Isso foi muito legal.
Alguns
educadores se perguntam ainda por que ensinar física de fronteira, já que
muitos profissionais da própria física não a usam no dia a dia?
Bom, para mim a resposta a esse questionamento é básica. Causa muito estranhamento ensinar aos meninos, em pleno século 21, a física do século passado! Algumas pessoas de fato defendem: “A física que a gente traz não é tão antiga, é a física newtoniana que permite lançar satélites”. Mas e as TVs de plasma, e os celulares mais modernos? Todos eles usam conceitos de física moderna para funcionar. E mais que isso: eu preciso justificar ao meu aluno, até mesmo politicamente, por que gastaram 10 bilhões de dólares num projeto como o LHC.
Bom, para mim a resposta a esse questionamento é básica. Causa muito estranhamento ensinar aos meninos, em pleno século 21, a física do século passado! Algumas pessoas de fato defendem: “A física que a gente traz não é tão antiga, é a física newtoniana que permite lançar satélites”. Mas e as TVs de plasma, e os celulares mais modernos? Todos eles usam conceitos de física moderna para funcionar. E mais que isso: eu preciso justificar ao meu aluno, até mesmo politicamente, por que gastaram 10 bilhões de dólares num projeto como o LHC.
E vocês
se sentem responsáveis pela mudança do vestibular em São Paulo?
Sim, isso é incrível. Porque propusemos primeiro investigar se era possível ensinar física moderna no ensino médio. Vimos que sim e sugerimos a mudança do currículo. Encorajamos as universidades a cobrarem o conteúdo na prova. É uma inversão do que costuma acontecer. A escola influenciar a universidade é raro.
Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line
Sim, isso é incrível. Porque propusemos primeiro investigar se era possível ensinar física moderna no ensino médio. Vimos que sim e sugerimos a mudança do currículo. Encorajamos as universidades a cobrarem o conteúdo na prova. É uma inversão do que costuma acontecer. A escola influenciar a universidade é raro.
Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line
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