Números para quê?
Estudo de
professor de matemática joga luz sobre o ensino da área nas escolas brasileiras
e o compara com experiências bem-sucedidas no exterior.
Por:
Thiago Camelo
Publicado
em 13/03/2012 | Atualizado em 13/03/2012
Alunos
fazem prova do Enem. Apesar de ver pontos positivos no exame, professor critica
algumas características do modelo. Entre eles, a falta de flexibilidade de
datas para a realização da prova. (foto: Wikimedia Commons)
Imagine-se
professor de matemática numa sala de aula do ensino médio. Você sabe que
determinar a raiz dos polinômios não é dos assuntos mais interessantes para a
turma. Mesmo assim, é preciso ensinar. E mais: é preciso ensinar com a mesma
profundidade para todos da classe, porque o vestibular é logo ali e o tempo
urge.
Será que
o estudante, em nome do currículo escolar e do vestibular, precisa passar
necessariamente por períodos infernais durante o ensino de matemática?
Mas será
que o estudante, em nome do currículo escolar e do vestibular, precisa passar
necessariamente por esses períodos infernais durante o ensino de matemática? O
professor da matéria José Carlos Oliveira da Costa defendeu tese de doutorado
na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e responde com
convicção: “Não!”
“A
premissa da minha tese é empírica; fui professor de educação básica por muito
tempo e uma coisa que me causava espécie era o fato de os estudantes reclamarem
de tudo”, diz o educador, com 25 anos de experiência no magistério. “O assunto
só faz sentido em função do vestibular. Desde então, venho acumulando incômodo
com essas questões.”
“O aluno
precisa ter domínio da matemática para viver, claro, precisa ter alguma noção
estatística, aprender bem a fazer contas, usar a matéria no dia a dia”, pondera
Costa. “Mas ensinar equação algébrica? Isso é um absurdo!”
O
incômodo levou o professor à pergunta: como funciona o sistema de ensino, em
especial o ensino de matemática, nos países com avaliação positiva no ranking
de educação feito pela Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência
e a cultura (Unesco)?
“No
Brasil, as salas são cheias, os cursos, difusos; são 12 matérias, o aluno vê
tudo e não aprende nada de nada”, critica Costa. “Decidi comparar os documentos
curriculares do ensino médio no Brasil com as exigências da educação na França,
Espanha, Portugal e Inglaterra.”
Os
estudantes devem ter, ainda adolescentes, a autonomia para escolher se querem,
ou não, aprofundar o conteúdo de determinada matéria
O
professor notou, de cara, que os quatro países estrangeiros avaliados – embora
com propostas de ensino diferentes entre si – concordam em uma questão: os
estudantes devem ter, ainda adolescentes, a autonomia para escolher se querem,
ou não, aprofundar o conteúdo de determinada matéria.
Mas se
com 18 anos, idade com que muitos ingressam na universidade, já é difícil
escolher o que fazer, com 15 anos não seria ainda mais complicado? “Depende
muito do modo como isso será feito. Os portugueses, por exemplo, têm uma
permeabilidade entre os caminhos, de modo que, se o estudante quiser voltar
atrás, terá tempo para isso; é necessária apenas uma adequação do currículo.”
Segundo
Costa, o caso francês é bem exemplar:
“Na França, o aluno pode optar por um ensino médio mais técnico que já prepara
para vida profissional ou, se quiser, pode continuar estudando para a vida
acadêmica. Isso permite que cada aluno escolha o currículo de sua predileção”.
Costa
acredita que não se deve subestimar a verve profissional do aluno, que pode se
manifestar “ainda muito cedo”, e que o fundamental é mostrar “em momentos
diferentes da jornada escolar” os diversos caminhos que se pode seguir.
Tese
Em
trabalho de doutorado, Costa explica que o currículo de matemática, no segundo
e terceiro anos do ensino médio francês, respeita a escolha do aluno. Ainda
sobre a França, o professor diz que a aprendizagem de alguns conceitos de
trigonometria compete apenas aos alunos que desejam seguir a carreira em
profissões em que o uso desse ramo da matemática se faça essencial.
“A
cultura educacional do nosso país é insana, é uma solução irracional impor um
caminho igual para todo mundo”
No
Brasil, o Conselho Nacional de Educação já deu às escolas sinal verde para flexibilizar o currículo escolar
caso entendam que o ensino de algumas matérias deva ser mais individualizado. Costa,
no entanto, é cético quanto a qualquer mudança se não for feita uma revolução
na cultura escolar nacional, que passaria pela valorização do professor e da
individualidade do aluno.
“A
cultura educacional do nosso país é insana, é uma solução irracional impor um
caminho igual para todo mundo”, critica Costa. “No fim, apenas 11% dos alunos
atingem a proficiência em matemática. O barato está saindo caro, pois isso
influencia diretamente a formação de profissionais na área de exatas. Hoje
temos que importar mão de obra especializada.”
Vestibular
O
professor concorda que o vestibular é um indutor importante para o currículo
escolar. Mas, para ele, “o modo de ingresso na faculdade está mais arrumado nos
países que estudei”.
Costa é
fã do SAT – o vestibular dos Estados Unidos –, sistema de avaliação adotado
pela maioria das universidades estadunidenses, no qual se baseou o Exame
Nacional de Ensino Médio brasileiro, o Enem. Costa, no entanto, aponta diferenças importantes
entre ambos.
“O SAT
pode ser feito em diversos dias do ano, então, se o aluno adoecer ou for mal em
um dia, terá uma nova chance”, explica o matemático. “Além disso, as provas são
mais maduras por lá, o aluno pode usar calculadora, algo impensável no Brasil,
por exemplo.”
Nesse
cenário mundial, em que a reta final – a aprovação universitária – ainda é
exigência fundamental, haveria espaço para escolas com propostas alternativas
de ensino?
O
professor diz ainda que, nos Estados Unidos, outros critérios são usados para o
ingresso dos alunos nas universidades. “Inclusive, é avaliado também o
desempenho durante os anos do ensino médio, um detalhe que faz toda a
diferença”, afirma.
Nesse
cenário mundial, em que a reta final – a aprovação universitária – ainda é
exigência fundamental, haveria espaço para escolas com propostas alternativas
de ensino, que pregam a radicalização absoluta do currículo e a inversão total
do método de aprendizagem?
Exemplos
de casos bem-sucedidos não faltam, como a mítica Escola da Ponte portuguesa ou o Colégio Municipal Amorim Lima,
instituição paulista identificada como ‘escolas sem paredes’, em que alunos de
várias idades estudam na mesma classe com um sistema de ensino similar à escola
lusitana, que enaltece o papel do tutor para pequenos grupos de alunos e
valoriza ao máximo a individualidade de cada estudante.
“Claro
que há espaço para essas escolas”, avalia o professor. “Tenho muita vontade de
estudar mais a fundo as novas formas de ensinar e pretendo, no meu
pós-doutorado, mergulhar justamente nesse universo”, planeja.
Thiago Camelo
Ciência Hoje On-line
Thiago Camelo
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